A geração perdida que fez muitas cabeças se encontrarem e essa história de fugir de casa
Continuando na onda do primeiro post, compartilho parte de um trabalho sobre movimentos sociais, que fiz semestre passado durante as aulas da disciplina de Mídia e Discurso, ministrada por Rejane de Mattos Moreira, da minha querida Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A foto acima mostra o dia em que Bob Dylan conheceu o doidão Allen Ginsberg, em uma praia famosa em São Fransisco no ano de 1965. Ao final do texto algumas fotos e as referências para o embasamento da pesquisa e da minha curiosidade.
* * *
O MOVIMENTO
A história do movimento beat tem início no
final dos anos 30. O cenário é os Estados Unidos do presidente Ronald Reagan, em
plena crise econômica, apesar de vencedor no contexto do final da Segunda
Guerra Mundial. Foi lá que alguns poetas, escritores e jovens de alma selvagem
começaram a questionar a repressão e o modo de vida padronizado pelo consumo
americano. Com uma percepção crítica e um ideal particular e libertador,
buscava-se encontrar um verdadeiro sentido para suas vidas, diferente do que
viam na TV ou no discurso dos pais. Enquanto a política da sociedade de consumo,
baseada no chamado sonho americano não
contagiava mais a juventude da época: começavam a surgir e pipocar novos
projetos culturais e intelectuais alternativos, com poetas desvairados e
escritores entorpecidos por drogas e ávidos por novas aventuras e desventuras
autênticas e livres. Iniciam-se as viagens de mochila, a cultura da carona e
tudo o que um espírito libertário e a estrada podiam trazer. Apertem os cintos...
UM
TRIPÉ EXCÊNTRICO, EXPERIMENTAL, ESPONTÂNEO
A
síntese da explosão do movimento aparece nas histórias e no novo jeito de
escrever com liberdade e expressividade, sem as velhas “amarras acadêmicas” e
os padrões de prosa pré-estabelecidos pela
Europa. Um tripé de artistas-escritores-poetas-filósofos de fôlego
avassalador ilustra bem o novo espírito. O trio, Allen Ginsberg, com Howl (O Uivo), William Burroughs, com Naked
Lunch (Almoço Nu) e Jack Kerouac,
com a obra On The Road (Pé na Estrada) começaram a falar o que
antes não era dito; as angústias, anseios, dúvidas, frustrações, desejos,
enfim, todas as emoções que estavam passando naqueles tempos. O lado sombrio do sonho americano era assim
revelado: esquinas, bares e becos sujos por vigaristas, oportunistas,
toxicodependentes, marginais, pequenos ladrões, todo tipo de ser. A
identificação com essas figuras marginais se tornaria o eixo central da literatura beat. Kerouac era
fascinado pelos vagabundos e andarilhos que atravessavam o país em trens de
carga; Ginsberg era atraído por homossexuais, delinqüentes e incompreendidos em
geral; Burroughs, por sua vez, vivia entre criminosos e viciados.
Essa nova geração buscava uma forma de se expressar e uma
vida mais liberta e desregrada, onde a imaginação e a criatividade afloravam de
maneira espontânea, sem prévias preocupações e anseios. Era época dos novos
nômades, de dormir ao relento, de pegar a mochila e cair na estrada, seja de
carona em carona ou em um calhambeque caindo aos pedaços. É desse jeito que
Kerouac e sua turma botam os pés nas estradas para viver novas e alucinantes
histórias, embalados pelo melhor ou pior do jazz americano, revirando o
submundo dos subúrbios, se deparando com todo tipo de gente e situação: de
trabalhadores itinerantes à vagabundos e viciados. Acreditavam na “elevação do
grau de consciência” e seu fluxo contínuo, e por isso não rejeitavam drogas
alucinógenas como a maconha, benzedrina e o peiote. Pode-se dizer que o lema da
beat generation era Sexo, Drogas e
Literatura. Ao invés de rock, preferiam mesmo o jazz do jukebox dos bares de
estrada.
O termo beat, segundo consta
na obra de Kerouac, veio de uma expressão que Herbert Huncke, um marginal e transeunte,
usava com frequência: “I’m beat” – algo do tipo: estou fodido, quebrado, duro.
Kerouac e seus companheiros gostaram do que ouviram e adotaram a expressão em
seus escritos. A partir de então, a palavra passou a ter outros significados, sobretudo
para ele o de batida (no sentido de ritmo musical, referindo-se a batida do
bebop do jazz americano que o embalava em sua escrita). Entre outros
significados estão o de porrada, de pulsação e até de furo (no sentido
jornalístico).
A VIDA PELA ESTRADA
Mais que novas significações
e gírias, o termo serviu para designar uma geração envolvida com um novo
movimento literário e comportamental, que retratava as experiências de uma nova concepção e opção de vida pela estrada e com muita influência do existencialismo de Sartre.
Jovens ao ter contato com a literatura beat passaram a procurar cada vez mais
aventuras e experiências, na busca de empreender um novo sentido para suas
vidas. Não tinham nenhum tipo de preconceito e discriminação, pelo contrário:
jovens brancos conheciam e tinham contato cada vez mais com a cultura negra
americana, sobretudo pelo jazz. É interessante notar essa influência e base que
a cultura beat levou para outros acontecimentos posteriores: nos movimentos
estudantis e na onda hippie dos anos 60, que herdaram causas como a ecologia e
o amor livre e também na liberação feminista e no movimento homossexual,
em parte consequências da luta dos beats pela liberdade sexual.
Uma frase do livro On the Road,
que viria depois a ser cunhado pela crítica do times como a “bíblia da geração beat”- ilustra bem a ideologia e o
espírito do movimento: “Nossas malas estão na
calçada de novo. As estradas eram mais longas, mas não importava. A estrada é a
vida”. Kerouac foi brilhante, ao descrever minuciosamente cada paisagem e lugar
das planícies americanas, captando a sonoridade dos bares de estrada, das ruas
e dos becos marginais das cidades americanas, após percorrer durante cinco
anos, o país de leste a oeste, através da famosa Rota 66, com descidas
frequentes ao México. Inaugurando uma nova forma de narrar, o resultado é reconhecido pela crítica como o puro reflexo do espírito de uma geração que passaria a transformar milhares de
cabeças, influenciando futuramente todos os movimentos de vanguarda: o rock, o pop,
os hippies, o movimento punk e tudo o que mais sacudiu o século XX na arte, na
cultura e no comportamento dos jovens.
A questão é que tal geração
se transformou em muitas. Segundo o historiador e jornalista Eduardo Bueno, “Nenhum
outro livro deste século deflagrou uma revolução comportamental maior do que a
obra de Kerouac. Bob Dylan ao ler On the
Road, fugiu de casa. Hector Babenco, de O
Pixote também. Jim Morrison fundou o The Doors.” Não obstante, no final dos
anos 50 John Lennon usa o termo beat para dar alcunha à sua nova banda: The
Beatles. Surgiam também novas bandas de introspecção e efervescência libertária
por todo o mundo, como o Pink Floyd na Inglaterra, Raul Seixas, Cazuza e Paulo
Leminski no Brasil.
CURIOSIDADES
Os
beats foram os primeiros a difundir, para a juventude ocidental, zen-budismo, a
meditação transcendental, as experiências da vida ao ar livre, as caronas, a
celebração de si mesmo em harmonia com o universo.
On the Road virou filme nas mãos do cineasta brasileiro
Walter Salles, com Kristen Stewart (Crepúsculo) e Kirsten Dunst (Homem-Aranha)
como personagens principais. O filme já estreou no Brasil e foi elogiado em no
Festival de Cannes.
Into the Wild (Na Natureza Selvagem), de Sean Peen é considerado um filme beat. Ele descreve a viagem de um jovem que decide largar a universidade e a vida comum que levava nos Estados Unidos para sair viajando com objetivo final de chegar ao Alasca e viver sozinho, sustentando-se da natureza e do que encontrava no caminho.
“Beatnik” não é um sinônimo, mas um termo depreciativo criado pela mídia no final da década de
1950 (apareceu pela primeira vez no San
Francisco Chronicle de 2 de
abril de 1958) para
designar jovens que copiavam o estilo beat. Mais tarde também ficou associado
aos acessórios coloridos, tais como, óculos, pulseiras e boinas.

No seriado Os Simpsons, os pais do personagem Ned Flanders são beatniks que o
colocaram num hospital psiquiátrico enquanto criança, depois de terem tido
dificuldade em discipliná-lo, devido ao seu mau comportamento (A mãe dele
queixa-se: "Já tentámos tudo, e estamos sem ideias!"). Em outra série
famosa da televisão animada, Doug, a irmã mais velha
de Doug, Judy Funnie (na foto), é retratada como uma beatnik.
O filme dirigido por Walter Salles segue fielmente a obra original ainda que a essência não esteja tão bem reproduzida. Talvez pelo enfoque nas cenas de sexo e de diversão. O destaque fica para a fotografia de Eric Gautier, dos premiados diários de motocicleta e Na Natureza Selvagem. Em On the Road não deixa de ser impecável nas paisagens, mostrando todos os contornos e nuances dos Estados Unidos. Um bom road-movie pra quem não leu o livro.
Kerouac com seu rolo de papel ininterrupto; "isso não é literatura, é datilografia" disse maliciosamente na época Truman Capote
KEROUAC,
Jack. On the road. Porto Alegre: L & PM pocket, 2003
http://www.guerradestilos.blospot.com.br/ - artigo BÍVAR, Antonio. Beats x Hippies.
WILLER, Cláudio. “Geração Beat” LPM Pocket
www.pco.org.br/conoticias/ler_materia.php?mat=1287 - A
Geração Beatnik e seu desprezo pela sociedade norte-americana dos anos 50