Minha historia com a turma de Kerouac e a geração beat começou no final
das férias do ano passado. Era véspera da minha viagem de volta para a capital
tropical do Brasil, o Rio de Janeiro. Eu estava no apartamento da Rua Otávio
Dutra, limpando e ajeitando as coisas do meu velho, que estava com uma doença
séria da qual não valeria a pena falar, quando – em meio há centenas de livros,
revistas e recortes de jornais antigos- fitei com os olhos aquele L&PM
Pocket amarelado. O título sugestivo logo atraiu minha atenção. Eu não conhecia
o autor Jack Kerouac e a única referência - que pelo menos eu achava que tinha sobre
o tema - era uma loja de aparência psicodélica que ficava há dois quarteirões
do consultório do meu pai. Vendia brincos, piercings, argolas, correntes,
vários acessórios e coisas malucas. Beatnik era o nome.
Aproveitei o voo para continuar a leitura que eu já havia começado
avidamente no dia anterior. Como é bom ler em aeroportos e aviões, são raros
ambientes onde não aparece algum idiota pra te importunar. Uma vez consegui ler
quase todo Feliz Ano Velho, do Marcelo Rubens Paiva, na ponte aérea Porto
Alegre-Rio.
O contato com a literatura de Kerouac e sua história de andarilho pelos
Estados Unidos me fez lembrar muito da época em que pegava o Corolla 98
rebaixado do meu pai emprestado, para viajar rumo às belas praias de Santa Catarina e ficar por lá um bom tempo.
Era boa demais a sensação de botar o pé na estrada, sem saber direito pra onde
agente ia ou em que canto iríamos ficar e dormir. Um pouco de independência pro nosso corpo. E eu sentia que precisava
daquilo. Ver e fazer as coisas do meu jeito, viver. Sabe aquela coisa de
criança de acampar no quintal de casa e tal? É mais ou menos isso só que em
outra dimensão.
Deixemos por um bom tempo os pais, as pessoas, os lugares, alguns
sentimentos e o almoço e janta certos de todos os dias; tudo o que já sacamos
e vivemos da vida naquele esquema de uma capital nacional. Então com tudo o que
eu precisava (barraca, panelas, meu cão, latas de atum e gasolina) eu ligava o
som, acendia um cigarro, e só o que eu podia vislumbrar era aquela estrada
imponente à minha frente e tudo o que estava por vir. O novo. Rrruummmmm!
Sempre gostei da palavra liberdade e seu significado fora da nossa
sociedade (não somos livres), e por isso também me identifiquei com a obra e
vida de Kerouac, que parte de experiências libertas, novas e autênticas.
Imaginem se os dizeres da bandeira de nossa nação fossem Liberdade e Progresso...
Na prática e na estética soa tão bem e melhor do que Ordem, não? Abaixo a
ordem! Abaixo a porra da ordem!
Se formos pensar, os grandes pensadores, revolucionários, líderes e
artistas que fizeram algo notável por esse mundo sempre tiveram que lutar
contra alguma disposição vigente, contra ceticismos, imperialismos e ideologias
tidas superiores. As ferramentas para provar ao mundo suas notabilidades e
assim conquistar certa liberdade foram a inteligência a loucura e a ação. Cada qual
à sua maneira. Platão, Aristóteles, Arquimedes; Isaac Newton, Einstein,
Galileu, Copérnico; Bolívar, Artigas, San Martin, Che Guevara; Elvis, John
Lennon, Bob Dylan, Marley, Raul Seixas; Buda, Gandhi, até Jesus Cristo. A
sociedade idolatra esses sujeitos, mas parece que hoje ninguém quer ser o tal.
Ninguém quer ser o diferente, por incrível e paradoxal que pareça. Medo.
Preconceitos. Coerção. Sei lá.
"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores
de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que veem as coisas de
forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você
pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa
que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a
raça humana para frente. E, enquanto alguns os veem como loucos, nós os vemos
como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem
mudar o mundo, são as que o mudam." KEROUAC, JACK.
Kerouac não tinha a pretensão de ser famoso, nada disso. Apenas
queria ser um bom escritor, se dar bem com as mulheres (era tímido) e empregar
um novo sentido para sua vida durante o pós guerra. Atravessou durante cinco anos os EUA com
descidas frequentes ao México e foi anotando tudo em papéis ou qualquer coisa
que pudesse riscar para em 57 escrever o livro em três semanas em um rolo de
papel manteiga ininterrupto, que culminou em uma prosa espontânea, rítmica e
sensorial, embalado pelo jazz e a base de muito café adoçado com
benzedrina. On the Road traduziu no papel o espírito de uma geração perdida,
que influenciou posteriormente todos os movimentos de vanguarda do século XX.
Muita gente boa bebeu esse caldo.
A vida pela estrada. Que onda!
*
* *
Na época restavam 60 páginas para terminar o livro, quando vi aqui na
internet a notícia de que o Walter Salles, de Central do Brasil e Diários
de Motocicleta, havia sido o diretor escolhido pelo grande Coppola
para fazer a adaptação do livro para as telas. Gostei da escolha, o diários foi
muito foda é um dos meus filmes favoritos. Quanto ao Na Estrada (que tradução
escrota), já assisti ao filme e posso dizer que ele é muito fiel ao livro, mas
prefiro deixar os comentários e a análise para semana que vem (quero ver de
novo cinema, 2 horas de filme exige uma boa reprise...).
Sei que é apenas o começo,apenas o início do grande barato e "transcendental" que irá ser isso aqui...Como Clarice dizia "Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada." Seja um louco na vida,de vida, um louco de idéias ...Não é liberdade, o que vocês querem,o que vocês desejam, ainda não tem nome!Entre nessa onda...!! em A Onda Beat
ResponderExcluirDeborah
seguindo e esperando por mais histórias boas! hehe
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